Temos essa mania de criar nomes, jargões para as coisas e elas se tornarem populares. As pessoas vão repetindo sem pensar, e logo viram sinônimo, acabam incorporados em nosso vocabulário. Como exemplo, o tal do “preço honesto”.

Abri uma caixinha de perguntas no instagram que perguntava assim: Qual a sua maior dificuldade para consumir chocolates saudáveis?” E a maioria das respostas estavam relacionadas a preço.

Eu já queria escrever isso, e aproveitei a deixa.

Esse texto não é leve, mas traz á luz uma visão que muita gente não tem: a do pequeno empresário. Convido ao debate nos comentários quem tiver opiniões (respeitosas) complementares ou opostas sobre o assunto.

Preço honesto – pra quem?

Pelo dicionário Oxford:

honesto
1.
que procede ou se enquadra rigorosamente dentro das regras de uma ética socialmente aceita.
“uma pessoa h.”

Honesto: Aquele que é justo, ético, cuja palavra podemos confiar. Não mente, não frauda, não engana.

Existem análises profundas sobre o preço da honestidade escritas por diversos pensadores, antigos e contemporâneos. Se este for um tema que te desperta interesse, busque por Preço de ser honesto no Google.

Não sei se vocês sabem, mas por aqui temos uma queda por filosofia quase tão grande quanto o amor a tecnologia.

Voltando ao assunto:

O termo honesto aplicado a algo como preço, já pede pra abstrair um pouquinho:

Para um preço ser considerado honesto, ele deve ser justo, não fraudulento na visão de quem emite a opinião.

E o emissor da opinião usou critérios pessoais para julgar esse preço: sua condição financeira, comparação com outros produtos do mercado ou até expectativas pessoais.

Logo, está implícito que, todo preço que não for honesto à vista de determinado consumidor, passa a ser “desonesto”.

Não posso pagar pelo chocolate = o preço é abusivo ou desonesto.

A visão do produtor

O julgamento caro x barato quase sempre é míope. Uma pessoa que tem o seu trabalho em uma área raramente consegue julgar o valor do trabalho de outra pessoa com clareza.

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Só quem produz sabe o quanto custa produzir.

E a composição de um preço não leva em conta somente os insumos tangíveis: ingredientes, embalagens, horas de trabalho.

Existem fatores intangíveis que pesam mais do que o custo direto: riscos, custo de divulgação, responsabilidades jurídicas, guerras, greves, catástrofes.

Imagine que você tá quieto tentando fazer seu trabalho, e num dia eclode um vírus que fecha as portas de todos os comércios por tempo indeterminado, no outro, redução de ofertas de materiais básicos, aumentando o preço de tudo. Depois vem a guerra, mexendo com o câmbio e novamente com as matérias primas.

Talvez você não saiba, mas mesmo os  ingredientes brasileiros, o cacau, os adoçantes e matérias primas até para luvas e embalagens são indexados em dólar. Está tudo interligado.

Outro lado: podemos citar marcas famosas de chás e cafés que prometem milagres com ingredientes que são facilmente encontrados em qualquer feira. O preço não está no insumo, está na praticidade (e nos sonhos) que o produto entrega. Eu inclusive uso um destes produtos pela praticidade (não pelo sonho).

O pequeno empresário sem poder de barganha, tem que equilibrar os pratinhos pra conseguir manter sua empresa operando e gerando renda e emprego. Tem que  comprar, precificar e vender, muitas vezes, com margem de lucro reduzida, pra não perder produtos em estoque.

No fim do dia, o empresário também se esforça pra botar um preço “honesto” de acordo com os cálculos dele, que comprou, produziu e nem sabe se vai vender ou receber.

Escutei recentemente na rádio, em uma coluna política, que a maioria das pessoas em nosso país trabalha de carteira assinada.  Talvez você aí do outro lado da tela pertença a essa parte da população, e não tenha a dimensão do que é uma composição de preços na indústria.

Preço honesto pra quem?

Quem gosta de falar em preço justo ou julgar “caro” geralmente não tem conhecimento sobre como o produto foi feito, e mede o resultado apenas com a sua régua pessoal – o próprio bolso.

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Isso é cultural, mas podemos refletir sobre mudar essa realidade e exercitar a empatia com o outro. Tanto se fala de empatia, lugar de fala e acolhimento, bora aplicar isso para as pequenas pessoas jurídicas também?

Afinal, alguém totalmente já tentou botar preço no seu trabalho?  O padeiro da esquina por exemplo, opinar que seu salário de programador não é honesto, sem ele nunca ter escrito uma única linha de código? Não faz sentido.

vamos falar sobre o preço do chocolate Java.

Quem procura o baratinho não procura qualidade.

Preço Baixo x Qualidade x Excelência no atendimento e na entrega são excludentes.

Nosso nicho é de alimentação especial, portanto, existem várias responsabilidades envolvidas. Testes, análises, treinamentos de funcionários e homologação de fornecedores.

Ou seja: não posso comprar um saquinho de açúcar no supermercado porque está em oferta, preciso fazer todo um estudo antes para garantir que aquele ingrediente não tem contaminação cruzada com alérgenos que possam fazer mal aos nossos clientes.

Somos uma fábrica de nicho, com foco em qualidade.

Isso significa que não estamos brigando por preço – até porque não temos tamanho para isso. Uma forma da indústria ter baixos preços mantendo sua margens, é produzindo volumes altos, reduzindo seus custos fixos. Não comportamos esse modelo fisicamente nem comercialmente.

Existem chocolates mais baratos no mercado? 

Sim, muitos. O consumidor pode escolher o que mais lhe agrada, levando em conta o que aquele produto entrega. Muitos chocolates da grande indústria inclusive prometem benefícios funcionais e sabor semelhantes aos artesanais.

O consumidor tem poder de escolha para comprar o que melhor lhe convier. O importante é pensar: se algum produto custa muito menos que o outro, tem alguém perdendo muito nesta cadeia.

E a triste realidade é que  quem mais perde é quem mais precisa. No caso do chocolate, falamos dos produtores de cacau e seus inúmeros casos de trabalho escravo.

Ainda assim, você pode escolher. Há quem diga: antes eles do que eu.

O processo produtivo da Java

Nosso processo produtivo é longo e complexo, com baixa automatização. Alguns passos de maneira bem simplificada:

  • Compramos o cacau diretamente do produtor (fair trade, comércio justo). Compramos o cacau da categoria “fino”, que é o grau mais alto de qualidade.
    • O cacau tem lastro em dólar, e acima dele, pagamos um prêmio para o cacauicultor, pela qualidade das amêndoas.
    • O cacau vem da Amazônia, da Bahia, do Leste de Minas e precisa ser transportado. O custos do transporte estão cada mais mais altos por conta da alta do petróleo e combustíveis.
    • Você já foi pra Amazônia? Consegue imaginar a distância percorrida para esse produto chegar até aqui, em Minas Gerais? E não é só isso: as fazendas ficam em regiões remotas, não estão em centros urbanos.
  • Chegando aqui, o cacau é selecionado e torrado com uma curva de temperatura baixa, pra manter os micronutrientes e o sabor. Manter esse padrão de torra baixa exige estudo e tempo.
  • Depois, vão para moinhos de pedra onde ficarão de 36 a 48 horas refinando ininterruptamente.
  • Nesta etapa, são acrescentados adoçantes (que tem o preço indexado em dólar) ou açúcar, que também oscila de acordo com o mercado de combustíveis.
  • O próximo passo, é transformar o chocolate em barrinhas e tabletes. Todos os funcionários usam uniformes que são trocados diariamente, lavados e higienizados aqui na fábrica. Usam luvas e toucas descartáveis por exigência da vigilância sanitária.
  • Eles manipulam ingredientes que foram comprados de acordo com um protocolo restrito de homolagação de fornecedores, para que não tenham contaminação cruzada. Afinal, fazemos produtos para pessoas alérgicas.
  • Depois de prontos , os chocolates são embalados e mantidos em uma sala climatizada com até 18 graus. Dia e noite, 365 dias por ano, até serem vendidos.
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Esse é apenas um resumo, sem falar do intangível: marketing, vendas e logística.  Ainda temos diversas normas, papeladas e exigências que precisamos cumprir diante do governo que custam grana.

Produzir com propósito, começando do ZERO, é muito desafiador.

Acredite, estamos o tempo todo tentando reduzir custos para segurar o preços para o consumidor. Nosso preço é sim, HONESTO do ponto de vista de quem faz.

Se o consumidor acha caro, ele tem liberdade para escolher o que melhor convier – o que não vale é botar preço no trabalho do amiguinho.

Beijos carinhosos,

Aline.

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